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Por que a NewPOP não usa aspas para diálogos?

Vira e mexe algum leitor lança essa pergunta para a NewPOP: “Será que não podiam usar a aspas em vez de travessão?”. Vamos aproveitar o espaço aqui e conversar um pouco do porquê.

Como vocês já devem saber, cada país tem uma língua e cultura textual diferente, isso inclui ter suas próprias pontuações e padrões de texto também. Tanto é que no Brasil a galera universitária com certeza já ouviu falar de ABNT, que nada mais é que um guia de normas brasileiras, entre elas de texto técnico. Isso é normal, afinal é resultado de culturas que se desenvolveram de formas diferentes e exploraram o mundo literário do seu próprio jeitinho.

Na China, Coreia, Japão e outros países orientais não seria diferente. Tanto a China quanto o Japão usam uma pontuação própria que data de milhares de anos, com algumas inclusões ocidentais contemporâneas. Lá, discurso direto, os diálogos, são apontados por estar entre “chaves de canto” (numa tradução livre). Além das chaves existem várias outras pontuações próprias.

Alguns exemplos de pontuação sino-japonesa:
chaves angulares 《…》 / chaves de canto 「…」 『…』


Quando isso é traduzido para o inglês, essas pontuações passam por um processo de adaptação para a língua inglesa. Por exemplo, no lugar das chaves de canto sino-japonesa, é utilizado as aspas, pois é assim que se indica um diálogo nessa língua, tanto é que um dos nomes das aspas em inglês é “speech marks” (marcas de fala, numa tradução livre).

É por isso também que você vai encontrar em inglês essa pontuação chinesa sendo chamada de “quotation marks”, que é outro nome das aspas em inglês. É uma visão e classificação americanizada de uma outra cultura. Passando bem pela lógica de: se a “chaves de canto” da cultura oriental caracteriza o discurso direto e o discurso direto é pontuado com aspas no inglês, então chaves de canto é aspas. Essa é uma “verdade” muito falha e anglicizada. Um reflexo de uma forma de ocidentalizar o oriente “exótico”.

Só que nós não somos um país anglo-saxônico, o português não chega aos pés dos milhares de anos do chinês, mas possuímos nossa própria cultura, nossa própria literatura e nossa própria tradição. As aspas no Brasil e as aspas angulares de Portugal não funcionam como as americanas, elas não possuem equivalência com o uso das “chaves de canto”; na verdade, elas são muitos mais parecidas com o uso das “chaves angulares” sino-japonesas (numa tradução livre), que são usadas para destacar termos e nomes. A função primária das aspas no português é a de destacar palavras, e você pode ver isso sendo usado neste texto o tempo todo.

Aspas ocidentais:
aspas curvas “…” / aspas angulares «…»


Da mesma forma, na nossa cultura lusófona, discurso direto possui uma pontuação própria: o famoso travessão. Usar aspas em vez das ferramentas do próprio português, é incluir uma terceira língua e cultura na tradução. É escolher ver o chinês pelos olhos americanos, em vez de usar nossa própria língua e tradição. Além disso, as consequências de usar o formato inglês não terminam só na troca por aspas, a partir do momento que aspas tomam o lugar de um travessão, é necessário adaptar outras coisas que seriam aspas.

Segue a linha de raciocínio: a NewPOP usa travessão para discursos diretos marcados de fala audível e aspas para discursos diretos de monólogo interno, os famosos “pensamentos”. Fica assim: 

— Como você está “lindo”. & “Que ‘lindo’ foi esse?!”

Se a troca é feita, algo precisa tomar o lugar no pensamento, em inglês se usa apóstrofos ou itálico. Mas e o que acontece com os apóstrofos que já estavam sendo usados dentro das aspas? Agora, mais adaptações precisam ser feitas em cima disso. Talvez ficasse assim, então:

‘Que lindo foi esse?!’ ou Que ‘lindo’ foi esse?!

E agora, que passei a usar itálico com outra conotação, o que acontece se eu preciso usar o itálico para realçar uma palavra estrangeira? E se eu preciso usar aspas dentro dos apóstrofos? Percebe como trocar por aspas nunca é somente “trocar por aspas”, é realinhar toda a formatação do texto para algo americanizado? O pior é que a troca não traz mais claridade e não existe benefícios em si.

Mesmo nos casos em que a língua oriental em si foi anglicizada e existe o uso das aspas no lugar da pontuação tradicional – como alguns países que usam caracteres chineses e a Coreia do Sul –, manter a aspas seria uma fidelidade de forma, mas não de contexto, pois, como comentamos, a função das pontuações varia de país para país, língua para língua, povo para povo.

A NewPOP valoriza muito as diferentes culturas e sempre tentamos explorá-las, mas discordamos de sacrificar a cultura portuguesa no processo. Nossa língua é rica e muitíssimo capaz de passar e adaptar outras línguas sem precisar se fingir de inglês. Por que não usar as ferramentas genuinamente brasileiras e valorizar também nossa própria literatura?

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